A metáfora acima reflete a tarefa do tradutor que não se reduz a simplesmente traduzir, transpor de uma língua para outra o conteúdo do texto original, ou texto de partida. No caminho para se chegar ao texto resultante, ou o de chegada, muitos mecanismos cognitivos entram em ação: o senso crítico de forma e de conteúdo, detecção de erros de grafia, erros gramaticais (já não se conhece mais o modo subjuntivo?), impropriedades lexicais (uso inadequado de palavras), erros de concordância (muito comuns) e até erros semânticos (essa frase fez sentido?). Em outras palavras, para tornar um texto inteligível, é preciso que o tradutor esteja aparelhado para detectar possíveis incongruências que afetam o sentido localizado e o sentido final de um texto como um todo. É minucioso o seu trabalho para que, mesmo partindo de um texto mal escrito, o produto final fique no mínimo digerível e aceitável em seu conteúdo: muitas vezes, é preciso “limpar” o texto de partida para se chegar a um bom texto de chegada. Tendo isto em mente, hoje eu gostaria de me ater à forma oral/verbal com que os textos têm chegado ao destino final, ou seja, o ouvinte, o telespectador, enfim, o consumidor de palavras, veiculados pelos meios de comunicação. É impressionante a cacofonia a que somos submetidos por maus comunicadores da palavra, ainda que o conteúdo em si tenha valor. A frequente e irritante verbalização de “éééééééééééé´” à procura de palavras que parecem momentaneamente fugir do emissor do discurso é de fácil constatação em qualquer meio de comunicação, seja ele um canal de YouTube ou mesmo em canais televisivos. Seria, talvez, um problema de educação dos brasileiros a falta de capacidade de se expressar livremente ou de improviso? Comparem-se os jornalistas, âncoras e apresentadores de extração americana: como flui bem a sua fala, sem tropeços, hiatos e irritantes cacofonias que denotam falta de controle de expressão de suas ideias. E para piorar o quadro, ultimamente constatamos as risíveis legendagens em nossa própria língua em canais do YouTube e até em filmes e seriados transmitidos pela televisão, que não ajudam, pelo contrário, atrapalham a compreensão das falas dos comunicadores. O que, afinal de contas, traz um alento à categoria profissional dos tradutores: a julgar pela péssima qualidade de traduções encontráveis na Internet e pela ainda pior legendagem em nosso próprio vernáculo por máquinas cibernéticas que mal conseguem transcrever textos guiados exclusivamente pela fonética, podemos extrair de todo esse contexto que nós, tradutores, ainda seremos indispensáveis por um bom tempo. A cacofonia reinante ainda precisa de uma filtragem bastante acurada para que não se perca o entendimento entre os seres humanos devido a uma babélica ignorância linguística, a começar pela forma, o que também afeta o seu conteúdo.
Contribuição da Tradutora Pública de Inglês Marie-Anne H.J. Kremer