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O Tradutor Juramentado e a Justiça Gratuita

Como Traduzir Documentos

Após receber a nomeação para servir como tradutor em um processo X, um tradutor juramentado poderia pensar:

“Eu poderia fazer a tradução. A minha qualidade de tradutor público constitui, porém, empecilho à legalidade de atuação nas condições impostas pelo juiz ao atuar no âmbito da justiça gratuita. E passo explicar as razões desse impedimento à continuação.

O judiciário brasileiro tomou decisões contrárias ao decreto-lei 13.609 de 21 de outubro de 1943, que rege até hoje o ofício dos tradutores. Decidir algo contra uma lei existente é sábio? E ainda: Por que nem sequer se menciona a lei ofendida/colidida?

Essa lei 13.609 anula a validade legal da minha tradução, caso eu descumprir o que reza. Se eu descumprir a resolução da Jucemg, que é a única entidade autorizada a emiti-la segundo a mesma lei, a minha tradução deverá ser consequente e automaticamente invalidada. E aceitando a referida nomeação, estarei descumprindo a lei, por cuja força fui nomeado.

Prefiro atuar como tradutor público [Lembro: o termo “juramentado” é popular, não é oficial.]. Para ser nomeado pelo poder estadual competente, conforme o decreto-lei federal de 1943, que rege o ofício de tradutor, portanto, há uns 75 anos no Brasil, eu e meus colegas fomos examinados pelas pessoas mais habilitadas para tanto neste âmbito, em um concurso público. Segundo a recomendação dos examinadores foi procedida a nomeação por quem a lei determina. Porém, não temos emprego em consequência disso. Apenas temos um ofício público, mas, em termos de mercado de trabalho, ninguém nos dá garantia de ganhos financeiros, apenas estamos à espera no mercado. Comparado a juiz de direito, isso equivale a dizer que o juiz ganharia o seu sustento, se alguém o contratasse para julgar. Nada mais que isso e tão-somente isso. Não haveria Estado, nem de direito nem de escravidão, que o sustentasse; só o mercado o sustentaria. Não haveria separação entre 3 poderes, de que o nosso país é constituído. O juiz não teria prerrogativas nesse esquema. Apenas se ofereceria no mercado para julgar. É esta a nossa situação de tradutores. Creio que é uma bela instituição, essa dos tradutores, a qual, por funcionar já há mais de sete décadas, merece respeito e consideração do poder judiciário, ou digamos, mereceria.

Mas nada disso, de fato, acontece atualmente no judiciário mineiro, ignoro, se no resto do país. Pelo contrário, há um item que diz:

“O TJMG não antecipará ao perito, ao tradutor ou ao intérprete, em nenhuma hipótese e a título algum, valores para custear despesas decorrentes do trabalho técnico a ser realizado.” [Resolução 0804, 2015, tjmg, art. 25]

Pergunto: Como iria um tradutor, residente em Belo Horizonte, a outra cidade? Com que recursos viários? De que se alimentaria, onde dormiria? E depois, ao instituir, na prática, a inadimplência contumaz, diz:

“O pagamento dos honorários de que trata esta Resolução fica condicionado à existência de previsão e disponibilidade orçamentária.” [Resolução 0804, 2015, TJMG, art. 35]

Além disso, o judiciário cria sistemas próprios de gestão da tradução, como se o ofício de tradutor não existisse na esfera pública brasileira há tantas décadas. Se o poder público o nomeou, tem fé pública. Não carece de nada mais, nem de nomeação por juiz; bastaria ser informado. Esse fato, histórico, é simplesmente ignorado, ao exigir-se cadastramento e, na prática, recredenciamento. Esse sistema próprio do judiciário faz de conta como se estivesse em outro país e não no Brasil dos brasileiros comuns. O judiciário, dessa forma, desdenha as instituições brasileiras existentes. Mas sabe aumentar o seu próprio poder. Para tanto, incentiva novos sistemas ou, diga-se de passagem, outros sistemas já anteriormente existentes, como por exemplo o dos cartórios, seja de notas ou de registro civil ou jurídico, cujos emolumentos há poucos dias, em parte, aumentou em mais de 300% numa realidade em torno de 3% de inflação oficial. Não foram os donos dos cartórios que aumentaram os preços, foi o judiciário. [Veja: Portaria 5.361cgj/2018]

Eu acho que o ser humano não vive do dinheiro. Mas já há 2 mil anos alguém pensou assim:

“Onde está o teu tesouro, ali também está o teu coração”. [Evangelho de Mateus 6.21]

Revela-se a espiritualidade do ser humano pelo dinheiro. O dinheiro, que é forma eficaz de verificar o que está no espírito da pessoa, esse dinheiro, no caso de um juiz, vem do Estado. O Estado lhe garante a subsistência. O Estado é constituído de pessoas, no nosso caso, dos brasileiros. As mais recentes análises sociológicas indicam que nós brasileiros somos escravos.

Veja, p. ex.:

SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.

SOUZA, Jessé; REHBEIN, Boike. Ungleichheit in kapitalistischen Gesellschaften. Weinheim y Basel: Beltz Juventa, 2014.

O poder está na mão de poucos. Mesmo numa economia prestes a falir, há instituições brasileiras que geram lucros. São poucas, mas há algumas que geram entre 3 a 8 bilhões de lucro líquido por trimestre. Não há impedimento de o judiciário propor leis. Os que, no Brasil, detêm o poder legislativo, no entanto, recebem propostas de quem quer que seja, inclusive do judiciário. Mas não vejo o judiciário a propor leis que acabem com a injustiça no Brasil. A escravidão perpetuada não é justa, é iníqua.

Mas isso não quer dizer que nós, tradutores juramentados, não gostemos de trabalhar. Gostamos, sim, mas gostamos também de condições de igualdade, ao menos, em princípio, de liberdade de opções, de condições minimamente semelhantes, ao menos, no ponto de partida”.

 

Texto redigido pelo Tradutor Público e Intérprete Comercial de Alemão Claudio Molz. https://atpminas.com.br/site/tradutor/claudio-molz/

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